Utentes exigem <br>reabertura do Ramal de Moura
O encerramento do Ramal de Moura veio afectar a vida de milhares de residentes dos concelhos de Serpa, Moura e Barrancos. Com o objectivo de aproveitar as potencialidades económicas, culturais, ambientais e turísticas desta região alentejana, e porque os meios de transporte colectivos, nomeadamente os ferroviários, representam nesse contexto uma peça essencial, a população da margem esquerda do Guadiana continua a exigir, após 15 anos de luta, a reabertura do transporte de passageiros e mercadorias deste ramal.
Para conhecer este problema, o Avante! foi à vila de Pias, concelho de Moura, uma das localidades mais afectadas pelo encerramento do Ramal de Moura. Antigamente, o comboio tinha uma função social, era acessível ao jovens que estudavam em Beja, aos idosos que se deslocavam para consultas médicas, aos militares que incorporavam as respectivas unidades.
Não podemos também esquecer que o povo desta região se desenvolveu através da linha férrea, e as actividades económicas concentraram-se em virtude da existência do comboio que transportava a população, em geral, dos centros urbanos para as periferias e vice-versa.
«Naquela estação (Pias) trabalhavam, nos anos 60, mais de 50 pessoas. Hoje está abandonada», recordou, em declarações ao Avante!, com alguma mágoa e saudade, António Carrasco, antigo ferroviário.
Um outro, também ferroviário, com 40 anos de serviço na CP, 25 dos quais na Estação de Pias, sem esconder a lágrima no canto dos olho, lamentou, de igual forma, o encerramento daquela infra-estrutura. «Antigamente davam às pessoas reformadas um passe para poderem viajar nos caminhos-de-ferro, hoje, não fazem nada disso», disse José Castanho.
Depois, com aquele ramal aberto, «o que é certo, e bem certo, é que vinham todos os dias muitas pessoas para visitar Pias e comprar pão, azeite, entre outros produtos. Tudo o que era útil para a vida das pessoas levavam daqui. Depois, com o encerramento desta linha, tudo acabou».
Na altura, era o apito do comboio que servia de referência e relógio para as actividades da região. «Pessoal vamos almoçar que está o comboio a passar» ou «vamos embora que está o comboio a apitar» eram as frases mais ditas pelos trabalhadores agrícolas que trabalhavam na região.
Com o encerramento do Ramal de Moura alteraram-se os hábitos de transporte, passando de um meio ecologicamente mais limpo, para meios de transportes com custos acrescidos em termos de pressão rodoviária e em termos ambientais.
Como a oferta não é variada, a solução para muitas famílias foi o endividamento na compra de automóveis particulares, e os que só podem optar pelo transporte colectivo rodoviário, nomeadamente os mais idosos, viram acrescidos os custos no preço das deslocações.
Interesses contraditórios
Também a frequência dos transportes diminuiu. Hoje, a empresa rodoviária EVA faz menos carreiras do que os comboios diários que existiam quando o ramal estava aberto. Apesar de ter sido assinado um protocolo entre a EVA e a CP para a manutenção dos direitos sociais dos utentes, ferroviários e suas famílias, continua tudo na mesma, já que a EVA não cumpriu esse protocolo e nada fez a CP e os sucessivos governos para obrigar aquela empresa privada do sector rodoviário a cumprir com os compromissos estabelecidos.
«A CP fez um acordo com o grupo Barranquense, empresa rodoviária de Barrancos, para que os preços dos bilhetes, os trajectos e os horários fossem os mesmos que anteriormente», lembrou Francisco Moreira, presidente da Junta de Freguesia de Pias e membro da Comissão de Utentes da Margem Esquerda do Guadiana para a Reabertura do Ramal de Moura, denunciando que esta medida apenas vigorou no curto período de um ano.
«A seguir, desfizeram o contrato, fizeram um novo, e as anteriores condições deixaram de ser efectuadas», continuou o autarca do PCP, dando conta, por exemplo, relativamente aos horários, «que muitos jovens de Pias a estudar actualmente em Beja têm que se juntar para alugar um quarto, porque não lhes dá para vir na camioneta». «Dantes, quem estudava em Beja, ia e vinha no mesmo dia», acentuou Francisco Moreira.
«Há também uns “moços” a estudar em Moura que vão à boleia, ou então, os pais têm que os ir buscar e levar», acrescentou Domingos da Fonseca, um outro elemento da comissão de utentes.
A degradação do espaço é outro dos problemas que preocupa a população. Segundo contou Francisco Moreira, a autarquia e a REFER já tiveram, entretanto, várias reuniões, mas sem qualquer solução. «O que eles queriam é que nós arranjasse-mos as casas e eles usufruíam das rendas», contou, sublinhando que a Junta de Freguesia apenas queria o usufruto daqueles imóveis «na eventualidade de alguma família mais necessitada ter ali um espaço para viver contiguamente».
Turismo pode ser uma solução
Pensar no futuro
sem esquecer o passado
Embora o passado do comboio da margem esquerda do Guadiana deva constituir uma referência para quem queira divulgar a riqueza cultural da região, servida pelo Ramal de Moura, é a pensar no futuro que as populações dos concelhos vizinhos - Moura, Serpa e Barrancos - defendem a reabertura do ramal que durante muitos e muitos anos os serviu e ajudou a desenvolver estes concelhos hoje tão esquecidos. É com vista a combater o isolamento que estas populações querem e lutam pela reabertura do Ramal de Moura. É a pensar no futuro sem, como é obvio, esquecer o passado.
Entretanto, a Comissão de Utentes da Margem Esquerda do Guadiana para a Reabertura do Ramal de Moura, formada há já alguns anos, composta por elementos na sua maioria de Pias, porque o comboio é um transporte de grandes massas e a grandes distâncias, defende que esta via deverá ser ligada a Lisboa, com horários compatíveis e material moderno, sendo mais cómodo, rápido e económico que outros meios de transporte.
Exigem ainda, no aproveitamento do grande investimento que é a barragem do Alqueva, que para o Ramal de Moura devem existir projectos económicos sustentados e com vista ao desenvolvimento da região, que devem ter o comboio como uma importante infra-estrutura de transportes de pessoas e mercadorias. «Não queremos todas as automotoras que existiam antigamente, bastavam duas ou três que fossem para Beja e voltassem novamente», relatou Francisco Moreira.
Para o presidente da Junta de Freguesia de Pias, esta ideia não se concretiza, simplesmente, por «razões políticas». «Os nossos governos gastaram, por exemplo, dinheiro aos montes com os estádios de futebol e depois, se calhar, o que gastaram num só estádio dava para fazer dois ou três ramais destes», argumentou, acrescentando que, mesmo nas condições de abandono a que está voltado, o Ramal de Moura continua «em boas condições» e que «não seria necessário despender muito dinheiro para o reabrir, visto haver material excedente em armazém».
Prosseguir a luta
Por seu lado, Joaquim Medeiros, presidente desta comissão de utentes, reafirmou que as populações vão prosseguir a sua luta em torno da reabertura do Ramal de Moura, tendo já efectuado um abaixo-assinado que contou com alguns milhares de assinaturas.
«Estamos solidários uns com os outros. Estamos de “pedra e cal” e a nossa luta é para que reabram o Ramal de Moura», prometeu, fazendo um apelo à secretária de Estado, Ana Paula Vitorino: «Venha aqui para testemunhar com os seus próprios olhos o património que se encontra abandonado».
No seu testemunho, o alentejano de alma e coração, acusando os governos e os governantes de «cinismo» e «maldade» para com aquele povo, valorizou, no entanto, os deputados do PCP pelo apoio que têm prestado à comissão de utentes e ao combate das populações.
Não podemos também esquecer que o povo desta região se desenvolveu através da linha férrea, e as actividades económicas concentraram-se em virtude da existência do comboio que transportava a população, em geral, dos centros urbanos para as periferias e vice-versa.
«Naquela estação (Pias) trabalhavam, nos anos 60, mais de 50 pessoas. Hoje está abandonada», recordou, em declarações ao Avante!, com alguma mágoa e saudade, António Carrasco, antigo ferroviário.
Um outro, também ferroviário, com 40 anos de serviço na CP, 25 dos quais na Estação de Pias, sem esconder a lágrima no canto dos olho, lamentou, de igual forma, o encerramento daquela infra-estrutura. «Antigamente davam às pessoas reformadas um passe para poderem viajar nos caminhos-de-ferro, hoje, não fazem nada disso», disse José Castanho.
Depois, com aquele ramal aberto, «o que é certo, e bem certo, é que vinham todos os dias muitas pessoas para visitar Pias e comprar pão, azeite, entre outros produtos. Tudo o que era útil para a vida das pessoas levavam daqui. Depois, com o encerramento desta linha, tudo acabou».
Na altura, era o apito do comboio que servia de referência e relógio para as actividades da região. «Pessoal vamos almoçar que está o comboio a passar» ou «vamos embora que está o comboio a apitar» eram as frases mais ditas pelos trabalhadores agrícolas que trabalhavam na região.
Com o encerramento do Ramal de Moura alteraram-se os hábitos de transporte, passando de um meio ecologicamente mais limpo, para meios de transportes com custos acrescidos em termos de pressão rodoviária e em termos ambientais.
Como a oferta não é variada, a solução para muitas famílias foi o endividamento na compra de automóveis particulares, e os que só podem optar pelo transporte colectivo rodoviário, nomeadamente os mais idosos, viram acrescidos os custos no preço das deslocações.
Interesses contraditórios
Também a frequência dos transportes diminuiu. Hoje, a empresa rodoviária EVA faz menos carreiras do que os comboios diários que existiam quando o ramal estava aberto. Apesar de ter sido assinado um protocolo entre a EVA e a CP para a manutenção dos direitos sociais dos utentes, ferroviários e suas famílias, continua tudo na mesma, já que a EVA não cumpriu esse protocolo e nada fez a CP e os sucessivos governos para obrigar aquela empresa privada do sector rodoviário a cumprir com os compromissos estabelecidos.
«A CP fez um acordo com o grupo Barranquense, empresa rodoviária de Barrancos, para que os preços dos bilhetes, os trajectos e os horários fossem os mesmos que anteriormente», lembrou Francisco Moreira, presidente da Junta de Freguesia de Pias e membro da Comissão de Utentes da Margem Esquerda do Guadiana para a Reabertura do Ramal de Moura, denunciando que esta medida apenas vigorou no curto período de um ano.
«A seguir, desfizeram o contrato, fizeram um novo, e as anteriores condições deixaram de ser efectuadas», continuou o autarca do PCP, dando conta, por exemplo, relativamente aos horários, «que muitos jovens de Pias a estudar actualmente em Beja têm que se juntar para alugar um quarto, porque não lhes dá para vir na camioneta». «Dantes, quem estudava em Beja, ia e vinha no mesmo dia», acentuou Francisco Moreira.
«Há também uns “moços” a estudar em Moura que vão à boleia, ou então, os pais têm que os ir buscar e levar», acrescentou Domingos da Fonseca, um outro elemento da comissão de utentes.
A degradação do espaço é outro dos problemas que preocupa a população. Segundo contou Francisco Moreira, a autarquia e a REFER já tiveram, entretanto, várias reuniões, mas sem qualquer solução. «O que eles queriam é que nós arranjasse-mos as casas e eles usufruíam das rendas», contou, sublinhando que a Junta de Freguesia apenas queria o usufruto daqueles imóveis «na eventualidade de alguma família mais necessitada ter ali um espaço para viver contiguamente».
Turismo pode ser uma solução
Pensar no futuro
sem esquecer o passado
Embora o passado do comboio da margem esquerda do Guadiana deva constituir uma referência para quem queira divulgar a riqueza cultural da região, servida pelo Ramal de Moura, é a pensar no futuro que as populações dos concelhos vizinhos - Moura, Serpa e Barrancos - defendem a reabertura do ramal que durante muitos e muitos anos os serviu e ajudou a desenvolver estes concelhos hoje tão esquecidos. É com vista a combater o isolamento que estas populações querem e lutam pela reabertura do Ramal de Moura. É a pensar no futuro sem, como é obvio, esquecer o passado.
Entretanto, a Comissão de Utentes da Margem Esquerda do Guadiana para a Reabertura do Ramal de Moura, formada há já alguns anos, composta por elementos na sua maioria de Pias, porque o comboio é um transporte de grandes massas e a grandes distâncias, defende que esta via deverá ser ligada a Lisboa, com horários compatíveis e material moderno, sendo mais cómodo, rápido e económico que outros meios de transporte.
Exigem ainda, no aproveitamento do grande investimento que é a barragem do Alqueva, que para o Ramal de Moura devem existir projectos económicos sustentados e com vista ao desenvolvimento da região, que devem ter o comboio como uma importante infra-estrutura de transportes de pessoas e mercadorias. «Não queremos todas as automotoras que existiam antigamente, bastavam duas ou três que fossem para Beja e voltassem novamente», relatou Francisco Moreira.
Para o presidente da Junta de Freguesia de Pias, esta ideia não se concretiza, simplesmente, por «razões políticas». «Os nossos governos gastaram, por exemplo, dinheiro aos montes com os estádios de futebol e depois, se calhar, o que gastaram num só estádio dava para fazer dois ou três ramais destes», argumentou, acrescentando que, mesmo nas condições de abandono a que está voltado, o Ramal de Moura continua «em boas condições» e que «não seria necessário despender muito dinheiro para o reabrir, visto haver material excedente em armazém».
Prosseguir a luta
Por seu lado, Joaquim Medeiros, presidente desta comissão de utentes, reafirmou que as populações vão prosseguir a sua luta em torno da reabertura do Ramal de Moura, tendo já efectuado um abaixo-assinado que contou com alguns milhares de assinaturas.
«Estamos solidários uns com os outros. Estamos de “pedra e cal” e a nossa luta é para que reabram o Ramal de Moura», prometeu, fazendo um apelo à secretária de Estado, Ana Paula Vitorino: «Venha aqui para testemunhar com os seus próprios olhos o património que se encontra abandonado».
No seu testemunho, o alentejano de alma e coração, acusando os governos e os governantes de «cinismo» e «maldade» para com aquele povo, valorizou, no entanto, os deputados do PCP pelo apoio que têm prestado à comissão de utentes e ao combate das populações.